Especial Mário Puzo: Quem foi o autor? O que é máfia?

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Fala, galera que curte romance policial, mas nunca se debruçou sobre um típico thriller da máfia. Hoje darei início a meu primeiro especial aqui no Iluminerds e, certamente, não haveria tema melhor! Para alegria dos fãs intrépidos da Cosa Nostra, falarei sobre Mário Puzo! Mas não somente sobre o escritor, mas de toda sua obra, incluindo seus livros e roteiros para o cinema.

Puzo, para aqueles que não sabem, é descendente de imigrantes italianos que residiam no bairro de Hell’s Kitchen que, anos mais tarde, ficaria famoso como a casa do Demolidor. Brincadeiras à parte, fruto de um bairro paupérrimo e violento, ele logo se tornou um homem repleto de vícios – todos relacionados com a violência de um bairro pobre – dos jogos de azar a literatura e mulheres! Tais vícios, para os fãs do autor, não lhe seriam surpresa alguma, visto que, em boa parte de suas obras, não faltam exemplos de garrafas cheias e mulheres vazias.

Mario Puzo é um escritor em profundo diálogo com sua vida. Quando anunciou à família sobre o desejo de se tornar escritor e recebeu várias críticas por isso, resolveu tornar suas angústias, pressões e dúvidas com relação à profissão no romance Os tolos morrem antes. Além disso, o autor descreveu sua herança cultural siciliana e experiência na Força Aérea dos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial, em especial, na  Alemanha, em Guerra Suja. Vários autores utilizam suas experiências de vida como base para o labor literário, mas Puzo, e talvez esse seja seu diferencial, utiliza uma grande carga de suas experiências pessoais, tornando seus romances um trabalho dialético que tensiona ainda mais o velho limite entre ficção e realidade. Um exemplo disso está em O Chefão, mais um livro sobre máfia, mas que, em meio a mortes e sangue, há espaço para uma cena de reconstrução vaginal.

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Foi na revista American Vanguard que Puzo publicou seu primeiro conto, The last Christimas. Em 1950, cinco anos depois, em meio a ávida busca por sucesso, o autor apresenta o fabuloso The Dark Arena – um sensacional romance ambientado na Alemanha pós-guerra, em que Mosca, um veterano de guerra, deslocado num país de aparente paz, sofre o pão que o diabo amassou para dar seqüência a sua vida, superando os traumas de um país destruído, tanto fisicamente, como em sua moral e economia.

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Suas pretensões de sucesso permaneceram frustradas, uma vez que, mesmo sendo bem visto pela crítica, passara despercebido pelo grande público. Numa manhã chuvosa de inverno, porém, lhe veio a primeira proposta irrecusável de sua vida: um generoso adiantamento de cinco mil dólares para escrever um romance sobre a Máfia e o resultado todos já sabemos. The Godfather, que, além de trazer ao público uma história consistente sobre a Máfia, também deu nova vida ao escritor. O fato mais interessante sobre o lançamento de O poderoso chefão é que o autor alegava jamais ter conhecido um mafioso antes de escrever o livro. Pòrém, ele simplesmente narra  a emocionante saga da Família Corleone, sua obra-prima.

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Chupinhado diretamente do Wikipédia, temos uma declaração, previamente traduzida sobre o credo literário do autor:

Tenho duas razões para continuar a escrever as histórias que tenho para contar: primeiro, porque me divirto; e segundo, porque cheguei à conclusão de que ler é muito melhor que comer, beber, jogar e ter mulher. Enfim, tudo o que já conheci na vida.

Poucos sabem, mas a vida de Puzo não foi apenas composta por glórias e honrarias militares. Em sua adolescência, sentira a crueldade do mundo quando seu pai abandonara a família, fazendo com que todos se mudassem para um conjunto habitacional no Bronx, enquanto seu irmão, Antonio, fora diagnosticado com esquizofrenia e internado numa instituição psiquiátrica.

O miserável menino do Bronx, apesar de estar sem pai e de trabalhar numa ferrovia para ganhar o pão de cada dia, começou a dedicar seu tempo livro a devorar as Bibliotecas Públicas da cidade. Sua mãe, talvez por ignorância, talvez por preocupações oriundas de sua classe social, queria torná-lo rapidamente um funcionário de alguma empresa. Em parte, Puzo realizou o desejo de sua mãe. Após concluir o ensino médio, tornou-se assistente de telefonista.

Rapidamente, Puzo tem sua vida transformada. A Segunda Guerra Mundial o arrasta para a Alemanha, e, mesmo sem ter dado um tiro (sérios problemas de visão poderiam torná-lo um perigo aos soldados no front), torna-se peça importante nos esforços de guerra. Tanto que, a pedido do governo, permanece na Alemanha como relações públicas da Força Aérea.

Anos depois, na Universidade de Columbia, o autor pôde realmente fazer um curso sobre literatura e escrita criativa, o que originou suas publicações no American Vanguard durante os anos 1950.

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Várias são as suposições para a confecção de O poderoso Chefão. Alguns “especialistas” chegaram a afirmar que o livro fora financiado com o dinheiro da própria máfia, mas essas assertivas se deram principalmente depois do estrondoso sucesso do livro (21 milhões de cópias vendidas) e dos filmes – com o Óscar, em 1972 e 1974. Um fato interessante é que os filmes ainda figuram na lista dos cem melhores filmes de todos os tempos da American Films Institute, nas posições 2 e 32 da lista. É, no mínimo, espantoso que um filme que expõe os bastidores da máfia e mostre o processo de humanização dos barões do crime organizado ainda seja visto e revisto por todos aqueles que adoram cinema.

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Todos conhecemos a história, mas sempre é bom lembrar… Don Corleone é um influente homem, respeitado pela sociedade que o cerca, mas que não esconde sua forma de fazer negócios – ele é o principal bandido que usa de sentimentalismo e violência para impor suas ideias àqueles que protege.

Algumas pessoas defendem a ideia de que a descrição acima seja melhor definição para o primeiro filme. Elas arriscam dizer que se trata de uma alegoria do conservadorismo anglo-saxão levado ao extremo máximo, ou seja, levado a constituir um poder paralelo que dificilmente seria derrubado por forças externas. Mesmo sendo uma putinha descarada de Corleone – tanto cinematográfico quanto bibliográfico – tenho de admitir que a maioria dos comentaristas que colocam a verossimilhança externa do filme em cheque apresentam bons argumentos. É claro que se trata de uma obra ficcional, mas a descrição prosaica de Don Corleone é extremamente irritante, pois a única coisa que, aparentemente, possui alguma lógica (externa e interna) é a importância dada à transmissão dos valores familiares para a manutenção das coscas (clique aqui para maiores informações) – unidades da máfia –, pois estas eram montadas, de início, por famílias inteiras para que não houvesse possibilidade de delação.

Chega a ser estúpido o glamour apresentado nos filmes de Coppola – é com muito pesar, mas temos de admitir que o fato de o cinema trata o espectador como mera massa de manobra impede que esse mesmo espectador aprenda algo sobre o tema desses filmes. Don Vitto Corleone, no final do primeiro filme, mais parece um criminoso bem quisto por todos, parece ser um homem que possui boas intenções, mas vive à margem das leis – lembrando muito certos presidentes de Escolas de Samba no Rio de Janeiro. Isso deu origem à crença de que a formação do tráfico está intrinsecamente ligada a certo heroísmo por parte de seus pioneiros, mas a realidade é que Corleone é um criminoso implacável e violento que não abre mão daquilo que chama de seu território.

Mesmo com a visão romantizada da máfia, é notável que Puzo, e posteriormente Coppola, mostram como a polícia é um importante braço das atividades ilícitas. Sua conivência é fundamental para o processo de poder – prova disso é, nos tempos de Lei Seca, o envolvimento de magistrados e policias para a garantia e manutenção da produção de bebidas (Corleone), jogos ilícitos (Bugsy Siegel), drogas (Lucky Luciano) e, em especial o próprio processo de humanização do gangster – ocorrido com Meyer Lansky, o primeiro deles a se tornar um “homem de bem” completo.

Última noite de Bugsy Siegel. Este, fora o criador de Las Vegas. O primeiro homem a construir um Cassino no Deserto. Porém, devido a uma tempestade de areia logo no dia da inauguração de seu hotel, o famoso Flamingo, infelizmente, não conseguira há tempo, o dinheiro que devia a Luck Luciano.
Última noite de Bugsy Siegel, o criador de Las Vegas. O primeiro homem a construir um Cassino no Deserto. Sua morte relaciona-se a uma tempestade no deserto que o impediu de fazer  o dinheiro para o pagamento de Lucky Luciano.

Os livros de Puzo, ao menos, apresentam uma noção do quanto o crime organizado está inserido no mundo cotidiano. Dessa forma, o termo Máfia, torna-se tão somente um conceito imaterial, similar à mão invisível que regula o Mercado de Adam Smith*, ou até mesmo do sistema espúrios em que vivemos.  E, para fechar, ou jogar merda no ventilador, afirmo:

A máfia não é legal. A máfia não reconhece o seu esforço. A máfia não é amiga, ou atua através de balas de festim. Você só descobrirá o que é a máfia quando tomar a primeira porrada. Quando alguém cuspir em seu rosto, dentro de sua própria casa, e você não puder fazer nada. Afinal, eles  tem poder para roubar tudo o que é seu, em especial, sua dignidade.A máfia tem construtoras. Financia políticos e empresta seus jatinhos. A máfia mata o pobre, desarticula as batalhas do povo – através do corpo midiático que sempre manipulou – e lucra com a contradição de nossa miséria.  Quem sabe, no imaginário popular, a máfia não seja confundida com a saída para tanta opressão. Uma falsa ideia de liberdade a qualquer custo. A liberdade monetária, só que não. Ela é o contrário!

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A máfia não está num saco de cimento.  Num botijão de gás ou num gato net. A máfia está muito acima dos camponeses sicilianos que ofereciam serviços de segurança contra eles mesmos. Ou de extorsões baratas a comerciantes pequenos. A máfia não é tão somente um bando de homens envolvidos em crimes. A máfia é o verdadeiro crime organizado, praticamente indetectável e completamente entranhado no governo. Ela está  um pouco em você, entre seus familiares e nas mais simples ações corruptas! Talvez esteja numa doação ou  em meio a um showmício. Ela parafraseia Raul ao dizer “mas saiba que eu estou em você, mas você não está em mim”. Meu caro, a máfia está em tudo! Realidade ou não… Se a vida já vale pouco, imagine para quem vive nesse neste metiê.

Você não é especial e nunca será o poderoso chefão. Você é só mais um que vive em meio ao caos, como Saviano diz, em Gomorra:

Aqui, porém, não existe um instante em que a tarefa de viver não se pareça com uma condenação à prisão, uma pena a ser descontada por meio de uma existência lenta, idêntica, veloz, feroz. Annalisa é culpada por ter nascido em Nápoles. Nada mais, nada menos. Enquanto o corpo de Annalisa é levado embora no caixão branco, a colega de banco de escola faz tocar o celular da amiga. Toca sobre o caixão: é o novo réquiem. Um toque contínuo, depois musical, invocando uma melodia suave. Ninguém responde.   (SAVIANO.2011,  p.183)

Puzo morreu de insuficiência cardíaca em julho de 1999, em sua casa em Long Island, depois de completar seu livro Omertà .

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O nosso próximo texto sairá na semana que vem e será uma análise, de Ricardo Labuto, sobre o filme O Poderoso Chefão.

*  Adam Smith em “A Riqueza das nações” para descrever como numa economia de mercado, apesar da inexistência de uma entidade coordenadora do interesse comunal, a interação dos indivíduos parece resultar numa determinada ordem, como se houvesse uma “mão invisível” que os orientasse.

Don Vitto

Escritor, acadêmico e mafioso nas horas vagas... Nascido no Rio de Janeiro, desde novo tivera contato com a realidade das grandes metrópoles brasileiras, e pelo mesmo motivo, embrenhado no submundo carioca dedica boa parte de seu tempo a explanar tudo que acontece por debaixo dos panos.

Este post tem 5 comentários

  1. Renver

    Excelente texto…

    E realmente o crime organizado não tem nada de camarada.

    1. Don Vittor

      Rapaz, fiz esse texto com indignação cretina e paradoxal, pois, eu mesmo faço apologia a esta coisa em meu nick rs

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