Iluminamos: 7 Caixas – O blockbuster paraguaio

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Em toda cidade há um mercado central. Uma praça, um prédio, um encontro entre compradores e vendedores.

Alguns desses mercados viveram dias de glória e depois desapareceram em importância. Em certos casos, apenas trocaram de corpo. Olhe para o lado ou dentro de si, e saberá que um hipermercado, uma feirinha à moda antiga ou um camelódromo hoje ocupam esse lugar.

Se Jack Hawksmoor, o deus das cidades do The Authority, trocasse idéia com qualquer metrópole mundão afora, descobriria o papel que tais encontros de massa representam numa sociedade urbana: De espelho.

Nimages (2)o espelho não aparecemos como nos vemos, como desejamos. E sim como somos, como estamos. Feios, bonitos, surrados, sujos, bêbados, nus, miseráveis, ricos, tristes, sorridentes.

O mercado municipal, a feira central, o mercadão de madureira de qualquer região mostra os dentes para cada um de nós, com a mesma medida de ambiguidade, realidade e fingimento. Ora trincando os dentes, ora sorrindo.

O mercado, como conceito, prática e experiência cotidiana, funda-se na economia e na necessidade, trilhando naturalmente o caminho da desigualdade e da diversidade. O Mercado 4, de Assunção, capital do Paraguai, é mais um exemplo.

Nele, é desenvolvida a história do jovem Victor, que sobrevive transportando compras em seu carreto de madeira. Em meio a seus combates cotidianos, o rapaz recebe a oportunidade de realizar um suspeito e misterioso trabalho que pode lhe render a pequena fortuna necessária para comprar um celular de segunda mão – com uma revolucionária e comum filmadora embutida.

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7 Caixas arrastou multidões aos cinemas do Paraguai ao acrescentar ação, suspense, humor e violência em medidas exatas à árida realidade dos trabalhadores do Mercado 4.

O roteiro é brihante: A história se desenrola apenas no mercado e arredores, com personagens verossímeis e bem construídos, como a amiga de Victor, Liz, cujas ações desencadeiam situações que se entrecruzam sem coincidências forçadas, com pausas que contribuem para a trama.

7 Caixas é um thriller autoral, o que significa dizer que, embora seja da mesma estirpe de películas como Cidade de Deus e Quem Quer Ser Um Milionário do ponto de vista da plasticidade, da montagem das cenas e do ritmo, o filme dirigido por Juan Carlos Maneglia e Tana Schémbori possui características próprias que o diferenciam suficientemente desses dois e de grande parte a produção cinematográfica atual.

Para além do retrato social, os cineastas inovaram ao subverter cânones de gêneros cinematográficos, imprimindo aqui e ali sopros de uma inocência perdida e toques de absurdo extraordinariamente bem encaixados na narrativa.

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Pois 7 Caixas, sem sombra de dúvida, é um filme de carros, quase um road movie. Todavia, os carregadores de compras do Mercado 4 não possuem carangos envenenados, cadillacs, mas sim carrinhos de mão, com os quais conseguem seu sofrido sustento, dos quais não abrem mão, como no episódio da perseguição a Victor, em que os carregadores, em maior número, com certeza o agarrariam muito mais facilmente sem os rodantes, numa cena emocionante, tensa e emblemática do filme.

Ironicamente, os carros motorizados que surgem na história são feios, atarracados, fracos e velhos, a exemplo da espécie de towner esquálida do coreano Jim e do envelhecido e derrotado caminhão em que Victor se abriga.

O protagonista Victor é apresentado como um jovem sonhador: Ele perde uma cliente para o carregador rival Nelson por estar distraído em frente à TV. Em seguida, encontra sua irmã vendendo um celular com filmadora. É sua fome de faturar o suficiente para comprá-lo que move a trama.

Ao que parece, os diretores Juan Carlos Maneglia e Tana Schémbori construíram uma bela carreira na TV, o que os credencia a ensaiar uma crítica à glamourização desse universo, ao explorar o encantamento de Victor pelas imagens na tela e sua obsessão por fazer parte disso.

images (1)Mais interessante ainda é notar a versatilidade dos protagonistas, Liz, Victor e sua irmã: Aproveitam o pouco que têm à mão de forma original para seguir adiante, para conseguirem o que procuram. Uma informação pode ser trocada por liberdade. Uma bateria de celular pode contornar uma situação. Até mesmo “habeas corpus”‘ pode ser obtido com a promessa de colocar alguém na fita de um outro alguém de uniforme. Aliás, riquíssima é a figura do guarda paquerador que circunda o mercado. O personagem, que poderia se perder na caricatura do típico policial corrupto latino-americano, revela diversas camadas sobrepostas, mostrando-se cena a cena mais sério e responsável, preparado e… bastante humano.

Como fiel companheira de aventuras, quase uma escudeira, a personagem Liz ladeia Victor quase todo o filme, não torcendo por ele, sendo salva ou algo do tipo, mas ajudando-o, envolvendo-se, de forma indelével, como fica demonstrado no decorrer do filme. A talentosa atriz que lhe dá vida, Lali Gonzalez, é quase uma sósia de Natalie Portman, e esconde muito bem a inteligência e perspicácia da personagem Liz, com as quais não nos cansa de surpreender.

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Enfim, pela diversão, pela ação, pela sagacidade, pela surpresa e pela reflexão, 7 Caixas é um filmaço, e é uma pena que sua distribuição nas telas daqui não se iguale à reservada a um blockbuster americano – embora 7 Cajas seja um arrasa-quarteirão paraguaio legítimo.

Assim, vá à caça de uma sessão na sua cidade ou na vizinha mais próxima e aproveite para deleitar-se com o empolgante reggaeton da música-tema, Huye Hermano, cortesia da banda Revolber.

http://www.youtube.com/watch?v=N8XUM5VWdKI

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

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