Iluminamos: Lovelace – Nó na garganta

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lovelace-poster02Devo dizer, como onanista residente dos Iluminerds, que me sinto ao mesmo tempo honrado e, em certa medida, até pressionado para fazer esta crítica. Afinal, trata-se de um dos grandes clássicos do entretenimento adulto, quiçá o maior de todos, com implicações não só no cenário cultural, mas também nos âmbitos social e político. Como não lembrar do famoso informante do caso Watergate batizado justamente de Garganta Profunda numa referência ao filme que tinha sido lançado poucos dias antes do início do escândalo estourar, em junho de 1972.

No entanto, um pouco diferente do que possa parecer, Lovelace não trata da glamourização do universo pornográfico. Inspirado pelo ponto de vista presente em Ordeal (Provação), autobiografia da protagonista Linda Lovelace, o longa conta não apenas os bastidores das gravações de Garganta Profunda, mas também a relação da atriz, cujo sobrenome real é Boreman, com seu marido Chuck Traynor. Retratado como um homem violento que explorava sexualmente sua esposa nos filmes, e anteriormente como prostituta, ele sempre contestou esta versão dos fatos.

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No começo, todo o casamento é feliz.

Embora não seja uma adaptação direta do(s) livro(s) de Linda, o roteiro de Andy Bellin claramente se posiciona do lado da ex-atriz na polêmica sobre sua carreira e relacionamento. Dividido em “duas partes”, num primeiro momento o filme fala da produção de Garganta Profunda e de sua repercussão dentro da cultura estadunidense que transformaram Linda numa celebridade nacional, muito provavelmente a primeira saída diretamente da indústria pornô (isso quando Sacha Grey nem pensava em nascer).

A produção, em seguida, toma um rumo mais dramático para mostrar os mesmos acontecimentos sob a ótica de Linda, em que cada fase de sua vida é marcada por abuso, violência e coerção física e emocional. Sendo essa a grande controvérsia da história, uma vez que ela alega ter sido forçada pelo marido a participar do filme (e muitas outras coisas) e nem ter recebido pelo papel, pois Traynor ficava com todos os seus ganhos para si. Qualquer uma dessas acusações traz sérias consequências, pois elas indicam que o filme foi, em última análise, um produto de estupros, abuso e/ou algum tipo de escravidão/servidão sexual, isso sem contar as alegações de proxenetismo, ingestão forçada de drogas e demais situações narradas no longa.

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Glamour e tragédia estão igualmente presentes no drama.

Dirigido por uma dupla, Rob Epstein e Jeffrey Friedman trabalhavam com documentários antes de se aventurarem na ficção. Aliás, este é apenas seu segundo projeto no campo artístico, tendo antes feito outra cinebiografia, Uivo (Howl) em que James Franco interpreta o poeta beatnik Allen Ginsberg. Em Lovelace, assim como no trabalho anterior, há uma clara preocupação em trazer este estilo documental à tona, o que é demonstrado no tratamento das imagens, filmadas com filme 16 mm (ao invés dos tradicionais 35 mm), dando certo efeito de época, no caso a década de 1970.

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Cotado para viver Traynor, Franco perdeu o papel, mas ainda descolou uma participação como Hugh Hefner, criador da Playboy. Diga-se de passagem bem mais adequada ao estilo bon vivant do ator.

As escolhas dos diretores, particularmente esses “efeitos” para uma melhor ambientação, que podem ser um pouco cansativos do ponto de vista do espectador, assim como o clima repetitivo, com os dois segmentos (muitas vezes mostrando a mesma cena com pouca variação e principalmente com informações que já estavam implícitas da primeira vez), e a clara parcialidade da história, lembrando sempre que há contestações nas duas partes quanto a exageros e inverdades, não eclipsam o que, sem dúvida, é o maior destaque do longa, as atuações.

A loirinha Amanda Seyfried (Mamma Mia, Querido John, Os Miseráveis), que precisou pintar os cabelos para viver Linda, se entrega ao papel de tal forma que é difícil lembrar dela como uma atriz de comédias e filmes românticos, especialmente nas fortes cenas de nudez ou de violência. Mesmo em Os Miseráveis em que ela está muito bem, tem sua performance totalmente ofuscada pela de Anne Hathaway, sendo que Cosette seria na verdade a personagem feminina principal, o que muita gente acaba se esquecendo.

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A verdadeira Linda Boreman morreu em decorrência de um acidente de carro, o segundo em sua vida, ocorrido em 2002. A partir de seu segundo casamento, a agora Linda Marchiano, virou uma ativista contra a indústria pornô.

Por outro lado, sua interpretação só consegue comover a plateia pelo contraste criado por mais um excelente trabalho de Peter Sarsgaard (Lanterna Verde, The Killing, Triângulo Obsceno), ele parece dominar a arte de ser colocado em papéis difíceis para garantir uma atuação ao menos digna. Fora a dupla principal, Sharon Stone como a mãe de Linda, Dorothy Boreman, faz muito provavelmente a atuação de sua carreira (ou pelo menos dos últimos 10/15 anos), e é uma forte concorrente ao Oscar de Atriz coadjuvante.

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Stone como a rígida (e meio carola) mãe de Linda Lovelace.

É fácil ver como o filme teve um desempenho relativamente fraco em termos de bilheteria – arrecadando pouco mais de 500 mil dólares até o momento e tendo um orçamento de 10 milhões –, pois, mesmo sendo conduzido com bom gosto, retratar a sexualidade justamente dentro do mundo pornô se mostra ainda um tabu. Além disso, hoje, 41 anos após o lançamento de Garganta Profunda e 11 anos da morte de Linda, não há mais essa presença tão marcante do filme e da atriz na memória coletiva. Muito provavelmente o longa chegou 10 ou 15 anos muito tarde pra se tornar um sucesso de bilheteria, mas, pelo menos, pode abocanhar um prêmio (de atuação) ou outro em festivais de cinema. Ele só serviu mesmo para colocar na geladeira indeterminadamente a outra cinebiografia da atriz que teria Malin Akerman (a Espectral de Watchmen) como protagonista.

Zé Messias

Jornalista não praticante, projeto de professor universitário, fraude e nerd em tempo integral cash advance online.

Este post tem 6 comentários

  1. JJota

    Finalmente, uma cinebiografia sobre uma pessoa realmente importante!

    1. JJota

      Procure na sessão de clássicos dos sites pornográficos!

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