O que é “Jogabilidade”?

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É comum vermos que o surgimento de novos meios de comunicação e nichos de mercado causem o aparecimento de novos termos específicos da língua. A língua, nossa forma de ver o mundo, justamente pela sua disponibilidade, também se molda a novas ideias, na medida em que seus falantes a mudam, tentando adequar a língua a estas novidades, através de novos conceitos. Nos idos da década de 1990, quando a indústria do videogame tomou corpo, começaram a surgir também novas formas de expressar tudo aquilo que se passava nesse novo ambiente e ainda não tinha sido exteriorizado, ou seja, novos neologismos. Neologismo, a grosso modo, é um fenômeno linguístico, decorrente de necessidades de expressão, que consiste na criação de novas palavras, através de sufixação, prefixação, aglutinação ou justaposição de palavras já existentes.

Um neologismo que me foi apresentado justamente na década de 1990 foi a palavra “jogabilidade”. Moleque obcecado e abitolado por games que eu era, comprava e lia muitas revistas de videogames. Eis que, através das finadas Ação Games e Super Game Power, fiquei sabendo dessa palavra, que me pareceu, na época, ser derivada do verbo “jogar”, mas utilizada num sentido restrito. À medida que eu ia lendo as revistas, notava que a expressão era usada de maneira normal, quase que um lugar-comum, como se já fosse de conhecimento público e notório se significado.

Ocorre que, até os anos 2000, eu não vi em nenhum lugar uma definição precisa do que realmente seria o conceito de jogabilidade, sendo somente a partir desta data que começam a aparecer, de fato, artigos e colunas tentando defini-la enquanto conceito. Pois, até então, o termo era usado de forma quase leviana, equivalendo de maneira esquisita a vários conceitos diferentes da criação norte-americana, como gameplay e playability, transpostos de maneira preguiçosa e reduzida.

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Então, indo direto ao assunto, o que diabos é jogabilidade? Uma boa maneira de se definir alguma coisa é dizer o que essa coisa não é.

Então, de cara, já digo que jogabilidade não tem tanto a ver com a capacidade gráfica ou sonora do jogo. Claro que, como toda criação orgânica, gráficos e sons vão complementar a jogabilidade e criar maior sensação de gratificação (efetuamos uma ação do personagem que vai nos recompensar com uma animação gráfica bonita e um efeito sonoro marcante), mas gráficos e sons, por si só, não criam um jogo empolgante ou envolvente, que o digam jogos aparentemente bobos, como Angry Birds, por exemplo.

Angry-Birds

Jogabilidade não é só tempo de resposta aos comandos dados ao jogo. Jogos bem lentos em tempo de resposta, como a franquia Gran Turismo pra Playstation, por exemplo, também são aclamados por boa parte do público.

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Jogabilidade é, pra começo de conversa, uma questão de mecânica. Tem a ver com a maneira como os personagens agem e reagem, seu tempo de resposta ao que o ambiente impõe a eles, o modo como interagem. Essa mecânica do jogo (que podemos dizer que está contida na sua engine) é regida por variáveis matemáticas que definem situações físicas do “mundo” onde determinado jogo se insere: níveis de gravidade, de inércia, de velocidade dos objetos no cenário, de velocidade do personagem em relação a esse cenário, e como isso se conjuga em tempo de resposta no controle do jogador.

Portanto, a meu ver, a jogabilidade se traduz num sensível equilíbrio entre todos esses fatores mecânicos e ainda em alguns outros elementos mais aparentes ao jogador, como senso de recompensa e curva de aprendizado.

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O senso de recompensa é o que podemos chamar de “sistema de premiação” do jogo. Não precisa ser aquela coisa tosca de dar pontos por uma ação bem sucedida. Pode ser a premiação pelo simples fato da persistência de jogador em um RPG, que, graças a isso, ganha novas habilidades, por exemplo, ou qualquer outro fator que estimule o jogador a continuar inserido no universo do game. Portanto, sistema de premiação não é só chegar ao fim de um jogo, é dar ao jogador o gosto de continuar no game, apesar de este ter a possibilidade de zerá-lo, e inclusive depois de zerado.

Curva de aprendizado de um jogo é a maneira através da qual este nos facilita a vida. De acordo com o jeito que o jogo progride, ele nos permite a aprendizagem fácil e intuitiva de novas habilidades que, integradas ao nosso repertório, nos ajudarão a enriquecer o modo como jogamos e terminaremos determinado game. Um exemplo de jogo com boa curva de aprendizado é Assassin’s Creed. Quem jogou, sabe do que estou falando, quem não jogou, jogue. Pelamordedeus.

Assassin's Creed 2
“Caraca, como eu sou foda…”

Podemos dizer, por isso, que fazer um jogo com boa jogabilidade não é fácil. Tendo todos esses fatores em mãos, aí sim, um produtor de jogos vai se preocupar com gráficos e sons do seu jogo. Gráficos e sons são a “cereja do bolo”, ao contrário do senso comum. Um bom jogo precisa tanto de bons gráficos e sons quanto um bom filme precisa de efeitos especiais.

Hulk mentirinha
HULK FAKE ESMAGAAAA!

Se o filme não tiver um bom roteiro, intermediado por um bom diretor, que, com seus editores, diretores de fotografia e sonoplastas, colabora pra que as partes certas do roteiro sejam exibidas de maneira efetiva e com ritmo constante, só vai ser um monte gratuito de efeitos especiais, um blockbuster esquecível. O mesmo podemos dizer com relação aos games. Um jogo totalmente lindo, com trilha sonora marcante, mas sem história decente e jogabilidade compensadora vai ser esquecido depois da primeira zerada.

Magneto Helmet
“Vamos ver que merda nova que eu posso fazer com os X-Men…”

Eu nunca digo que um jogo é bom só de ver trailer em E3 ou vídeo de outras pessoas jogando. Da mesma forma que não digo que um filme seja bom só pelo comentário do crítico x ou y. O mais importante é saber se o diretor, ou empresa produtora, conseguiram ter talento em transmitir em um jogo ou filme impessoal aquilo que é necessário pra garantir o envolvimento do espectador, ou seja, tudo aquilo que é humano – daí subjetivo – de um monte de elementos e variáveis anônimas. Pronto, outra regra cagadaça…

Colossus de Cyttorak

Detentor dos segredos da Mãe-Rússia, fã incondicional de jogos da antiga SNK (antes de virar esse arremedo, chamado SNK Playmore), e da Konami, Piotr Nikolaievitch Rasputin Campello parte em busca daquilo que nenhum membro da antiga URSS poderia ter - conhecimento do mundo ocidental. Nessa nova vida, que já conta com três décadas de aventuras, Colossus de Cyttorak já aprendeu uma coisa - não se deve misturar Sucrilhos com vodka, nunca!!!!

Este post tem 13 comentários

  1. Gustavo Audi

    Nunca estudei jogabilidade em si, mas sempre pensei nela mais como uma experiência do jogador em função dos elementos do jogo (gráficos, mecânica, narrativa, recompensas, objetivos…) do que dos elementos propriamente ditos.
    Ótimo texto!

    1. Audi, o problema de se centrar a jogabilidade na experiência do jogador em função dos elementos do jogo é que a gente cai no subjetivismo. Cada um tem uma experiência, percebe e reage de maneira diferente ao mesmo jogo. Não há como qualificar algo assim, entende?

      Então, a meu ver, pra gente avaliar um jogo, tem que partir do que o jogo oferece. Ver como ele reage aos comandos que você coloca nele, ver como ele te premia ou te leva na história. Se isso for feito de maneira satisfatória, vai agradar de uma maneira mais homogênea a vários jogadores diferentes, de inúmeros lugares e com inúmeras experiências.

      A ideia de se pensar a jogabilidade nesses termos é justamente a de tentar se evitar a relativização no julgamento de um jogo. Porque a partir daí, vale tudo. Quando você relativiza, daí entra facinho nos juízos de valor, e, logo em seguida, nos juízos de gosto. E gosto é que nem umbigo: cada um tem o seu.

      Obrigado pela leitura do post!

      1. Gustavo Audi

        Vc tem razão. É que eu estudo a experiência do jogador, então, para mim, tudo é subjetivo… Até mesmo as escolhas dos elementos que o jogo oferece.
        Valeu, Colossus!

    1. Cara, sou forçado a concordar muito com você. Super Mario se enquadra em todos os quesitos de boa jogabilidade, por vários motivos:

      1) é envolvente, pois tem regras bem simples e diretas e respostas rápidas, condizentes com as regras que ele próprio impõe;

      2) tem uma história infantil, mas que te prende;

      3) tem elementos tão caóticos (onde já se viu saírem cogumelos de caixas penduradas na parede?) que acabam te segurando pelo elemento inusitado e a princípio sem sentido;

      4) tem senso de recompensa praticamente o tempo todo (superpoderes, estrelas secretas, etc.);

      5) a curva de aprendizado é simples, direta e arrebatadora, e os gráficos e sons são extremamente bem escolhidos.

      É um jogo realmente fantástico. Sempre foi, desde o comecinho, no antigo NES.

  2. Don Vittor

    Você deveria dizer que um filme é bom, quando eu o aprovo, especialmente, se for o Homem de Ferro III aUHAHUHAUHHUHHUAUHUAUHAAHU

    Ótimo texto meu amigo!

  3. Contribuindo com o texto…

    XAVIER (2010, p. 211) definindo-a como:

    A Jogabilidade é, por tanto, uma decorrência natural do lidar com o jogo, como o termo usabilidade o é para produtos e processos. Jogabilidade como característica intrínseca ao conjunto de ações que são esperadas do jogador para com todos os seus componentes, sejam eles audiovisuais, sejam eles emocionais ou mesmo puramente cognitivos. O termo pode ser encarado ainda como habilidade do jogador para com os mecanismos do jogo (…) A jogabilidade é o percurso a ser traçado para que os objetivos esperados sejam atingidos da melhor maneira possível, embora a melhor maneira realmente exista ou se configure como um modelo epistemológico. Dada a enorme quantidade de jogos realizados e ainda a realizar, antes de uma certeza absoluta, a jogabilidade é uma experiência por definição e sob alcunha deveria permear o jogo como algo necessário.

    1. Bom texto. Você teria a fonte completa?

      Só discordo do autor com relação a uma coisa: “O termo pode ser encarado ainda como habilidade do jogador para com os mecanismos do jogo”. Acho que esse período inclusive é contraditório a todo o resto do trecho, pois conduz o conceito, que até então tinha como eixo de referência o jogo, ao campo do jogador.

      Ora, a habilidade do jogador para com os mecanismos do jogo pode ser simplesmente chamada de “habilidade”, por isso, inqualificável, pois é particular, individual e altamente variável. Como o próprio trecho que você destacou aponta, “a jogabilidade é o percurso a ser traçado para que os objetivos esperados sejam atingidos da melhor maneira possível (…)”. Ou seja, algo estabelecido pelo programa do jogo – sua engine. Da mesma forma é a expectativa de experiência que esse programa estabelece, daí sim, jogabilidade. Como o próprio autor disse, no trecho posterior, que você destacou, jogabilidade é o “conjunto das características de um jogo e precede a interação”. Se a jogabilidade precede a interação, não pode ser ao mesmo tempo definição da habilidade do jogador. Uma maçã não pode ser ao mesmo tempo maçã e banana…

      Tirando isso, boa contribuição. Não sabia desse texto, muito obrigado pela informação!

      1. Colossus, veja a fonte completa:

        XAVIER, Guilherme. A condição eletrolúdica: cultura visual nos jogos eletrônicos. Tresópolis: Novas Ideias, 2010.

        é um livro fácil de achar

        o outro é:

        GULARTE, Daniel. Jogos Eletrônicos: 50 anos de interação e diversão. Tresópolis: Novas Ideias, 2010.

        e um mais amplo sobre o conceito de jogos de forma ampla e filosófica:

        HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento de cultura. São Paulo: Perspectiva, 2010.

        1. Do livro do Huizinga eu já tinha lido alguns trechos… Até porque ele é aplicado em outros contextos, como dos estudos da Sociologia, por exemplo. Mas os outros dois autores que você me apresentou, ainda não. Assim que possível, vou procurar comprar esses livros.

          Obrigadão!

  4. segunda contribuição…

    GULARTE (2010, p. 137) traça o conceito do elemento Jogabilidade. Para o autor “Jogabilidade é o nível qualitativo de interação do jogo com as ações do jogador, é o resultado do conjunto das características de um jogo e precede a Interação”.

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