O Trovador Solitário Em Sochi

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Em todas as olimpíadas temos histórias impressionantes de superação e, acima de tudo, amor ao esporte. Muitos destes casos, no Brasil, exemplares devido à falta de investimento nos atletas de qualquer esporte que não seja o futebol. Mas hoje vamos falar de um filipino que chamou a atenção de todos os amantes de patinação no gelo.

As Olimpíadas de Inverno de Sochi (Rússia) deste ano estão peculiares, desde sua cerimônia de abertura até as acomodações, tudo parece um enorme episódio de “Todo Mundo Odeia a Rússia”. Também pudera, por outro lado, o governo russo não ajuda em muita coisa. Durante a cerimônia de abertura, uma delegação em especial me chamou muito atenção, a delegação de um homem só, como foi denominada nas Interwebs, o “time” das Filipinas.

Martinez sozinho na abertura dos Jogos Olímpicos de Sochi
Martinez sozinho na abertura dos Jogos Olímpicos de Sochi

Aquele menino de aparência simples e jovem me deixou intrigada, então logo fui buscar a história por trás daquele trovador solitário e me surpreendi. Michael Christian Martinez nasceu em 4 de novembro de 1996 lá nas Filipinas, mais especificamente em Lungsod ng Parañaque, um país, assim como o nosso, sem um floquinho de neve sequer. Michael começou a patinar em 2005, mas nada fora muito fácil para ele. Sua mãe, hoje orgulhosa, teve que trabalhar dia e noite para tentar dar o suporte que seu filho precisava. A patinação no gelo é um dos esportes mais caros de se treinar: os patins custam mais de 3 mil dólares e precisam ser trocados no máximo de 3 em 3 meses; a hora/aula dos treinadores também não é das menores e, contando que um atleta olímpico precisa de dois treinadores diferentes – um para a parte técnica e outra para a parte artística –, os gastos semanais podem passar dos 300 dólares.

Para piorar ainda mais a situação de Martinez, ele sofre de asma, o que, além de demandar uma porrada de remédios, até o impediria de praticar a patinação. No entanto, seu amor pelo esporte é tão grande que ele se trata mas não larga os patins por nada neste mundo.

“Eu tinha que tomar muito mais remédios para a asma quando comecei a patinar, já que o gelo também me faz doente. Um ano depois, minha saúde continuou melhorando mais e mais, então minha mãe começou a me apoiar completamente. Ela diz que é melhor gastar dinheiro com o esporte do que com o hospital” – disse o atleta à CNN Hong Kong.

Sem nenhum suporte de seu país, sua mãe hipotecou a casa da família para possibilitar a ida de seu filho às Olimpíadas, e lá ele foi, sozinho. Mesmo sem entrar no gelo, Michael já fazia história, é o primeiro patinador filipino a se qualificar para a competição e o quarto atleta durante toda a história do país. Vale lembrar que, mesmo sem qualquer apoio de seu governo, Martinez fez (e ainda faz) questão de divulgar o nome das Filipinas, mostrando a bandeira e o casaco que fora disponibilizado para a delegação do país em Sochi.

Sua última apresentação, antes dos Jogos Olímpicos, é uma verdadeira obra de arte, vejam só:

Se ele tinha chances de medalha? Aparentemente não, ainda mais com patinadores do nível de Yuzuru (JP), Patrick Chan (CA) e Kevin Reynolds (CA) entre os primeiros dez colocados. Nesse caso, a definição de vitória acaba sendo muito subjetiva. Até semana passada ele nunca acreditaria que seu nome iria aparecer entre os 24 qualificados para a “prova longa”. Essa conquista foi muito celebrada para um menino que aprendeu mais da metade de seus “passos técnicos” com vídeos no Youtube.

Tudo que eu desejo para Martinez agora é que seu 19º lugar seja valorizado e que o governo das Filipinas (ou qualquer outro patrocinador) reconheça o seu valor. Muito amor por esse pequeno nerdinho.

Gaby Molko

Paulista, musicista, jornalista, detalhista, sessentista, comentarista, imediatista e polemista.

Este post tem 4 comentários

  1. JJota

    Se o garoto aí viesse para o Brasil teria patrocínio com dinheiro público. Se este dinheiro chegaria até ele… Bom, aí eu não ponho a mão no fogo.

    O caminho do patrocinador tem ficado muito difícil. Mesmo em esportes profissionais, tem muita gente pensando duas vezes antes de investir, principalmente por causa da mídia. A Globo, principalmente, é mestre em desanimar qualquer investidor. Quando os jogadores de futebol passaram a usar camisas com o nome de patrocinadores, passaram a ser focados dos ombros pra cima. Quando colocaram o nome nos bonés, a câmera cortava na testa. Quando passaram a usar os logos dos patrocinadores numa placa por trás deles, a TV chegou ao absurdo de “fechar” no rosto dos atletas.

    No vôlei e no basquete, empresas que mantinham equipes tradicionais se afastaram porque a Globo inventava de chamar as equipes de “São Bernardo” ou “Cão Caetano” do que Banespa ou Nossa Caixa.

    E no esporte amador se repete a mesma coisa, ainda com a hipocrisia do canal de “cobrar” das autoridades públicas e de outras empresas que ajudem os esportistas. No reciocínio deles, estão fazendo a sua parte a partir do momento em que “sacrificam” momentos preciosos da sua grade pra mostrar – normalmente em reportagens superficiais e piegas – o atleta. O atleta, mas não seu patrocinador.

    1. gabymolko

      Olha Jota, não sei se ele teria grandes chances de patrocínio por aqui por ser um esporte de inverno né… Todos os atletas que disputaram pelo nosso país em Sochi ou não moram no Brasil ou puxaram patrocinadores da época da ginástica, como é o caso da Laís (que infelizmente sofreu aquele acidente).
      Mas concordo contigo, é uma palhaçada o que a mídia em geral faz com os patrocinadores, a única emissora de TV que eu vejo ter um pouco mais de respeito com eles é a Band, mas ela foi um canal focado em esporte por muito tempo.
      Complexo demais essa parada, mas espero do fundo do coração que ele consiga o apoio, porque ele merece. Me arrancou lágrimas, esse guri!

      1. JJota

        Oi, Gaby. A “piada” sobre o patrocínio estatal foi uma pequena alfinetada no COB, que já ganhou fama por ter nos proporcionado algumas das medalhas mais “caras” de todos os tempos, sem que a participação de atletas brasileiros até agora tenha sido minimamente marcante.

        De resto, é uma tristeza mesmo a forma como as pessoas que – seja lá por qual motivo for – resolvem investir no esporte por aqui.

        Quanto ao garoto, dizem que sucesso é 10% inspiração e 90% transpiração. A desse garoto e da mãe dele são dignas de menção, como foram aqui, no Iluminerds!

  2. Cris

    Não acompanhei o decorrer das provas, mas o show de encerramento foi muito bonito e emocionante.

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