Revista # 6 – Amor, de Michael Haneke, e o Horror

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Desde a semana passada, tenho me deparado, à força das coincidências, com a obra de H.P. Lovecraft, celebrado escritor que teorizou que “a emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o tipo de medo mais antigo e mais poderoso é o medo do desconhecido”.

Arrisco-me a dizer, ainda sem total conhecimento de causa, que Lovecraft tratava desse medo através da representação dos instintos primevos do homem, valendo-se de alegorias de criaturas abissais e horrores encarnados, no qual o distanciamento da realidade permitia o gozo de um temor genérico de algo impossível ou improvável de ocorrer.

Quando determinado tipo de terror é real, possível de ocorrer, digo, quando guarda total semelhança com a realidade, embora não a nossa (ao menos não naquele momento), o medo nos aflora de modo diferente. Como sina, como sentença, na forma de uma dor intensa, provocada pela empatia.

Quero propor, com isso, que há ao menos duas formas de assistir – e sentir – o novo filme de Michael Haneke, vencedor da Palma de Ouro e indicado simultaneamente ao Oscar de melhor filme e de melhor filme estrangeiro, singelamente intitulado Amor.

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A primeira, pelo viés do romance, do companheirismo, da comunhão de vidas, da responsabilidade decorrente. A transposição fidedigna para o cinema do tão confundido e subestimado conceito de ‘prova de amor’.

A derradeira, pelo horror que provoca. Haneke é um cineasta dedicado a expor, de forma limpa, dura e real (quase naturalista) o horror por trás da humanidade. Em A Professora de Piano, o foco era a dor física como forma de prazer sexual. Já Caché voltava-se para a fragilidade da identidade, da reputação e da auto-imagem do homem, quando abaladas por dúvidas, mentiras, pelo medo.

Não vi ainda Violência Gratuita, A Fita Branca e outros mais antigos, mas, por tudo que ouvi dos dois citados, creio que “estudam” a violência, física e psicológica, sendo que o primeiro a observa na modernidade, e o segundo, nas origens do nazismo, na Alemanha.

E, se as coincidências me levaram a abrir o texto citando um trecho do livro chamado O Horror Sobrenatural em Literatura, de Lovecraft, nada mais justo que encerrá-lo revelando onde elas começaram: na leitura de uma história em quadrinhos de Alan Moore e Jacen Burrows, Neonomicon.

Espécie de adaptação e também homenagem ao universo do escritor de horror, causou-me a sensação descrita no primeiro parágrafo, uma emoção tensa que encontrou uma resposta na leitura de trechos da obra teórica de Lovecraft, e reverberou durante toda a sessão de Amor, que terminou em silêncio. O mais terrível e puro silêncio vindo do público, provocado pelo mais sincero e gélido medo.

Rodrigo Sava

Arqueólogo do Impossível em alguma Terra paralela

Este post tem 5 comentários

  1. Anthonio Stark

    Já li alguns contos do Lovecraft(ótimos),fiquei curioso pra assistir esse filme!Um abraço!

  2. Don Vittor

    Rapaz, agora quero ver esse filme! Onde está passando?

  3. Rodrigo Sava

    Fala, Vitão! Como é oscarizável, arrisco dizer que continuará passando nos cinemas por pelo menos mais uma semana. Agora, como hoje é quinta e rola dança das cadeiras de cinema na sexta-feira, é melhor verificar no jornal ou na net mesmo. Eu assisti no Unibanco Arteplex. Talvez seja uma opção.

  4. Rodrigo Sava

    Anthonio, não sei se a semelhança com H.P.L. vai muito além das considerações que fiz quanto ao medo do desconhecido, mas é certo que o filme faz gelar. Talvez pelos motivos errados, não sei. Só sei que o diretor dele gosta de chocar o público usando a própria… humanidade como matéria-prima.

  5. Mariana Costa

    Ainda não conferi nenhum filme desse diretor, mas você conseguiu despertar a minha curiosidade.

    Ótimo post!

    🙂

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