Sony, Eu Não Sou Cachorro Não.

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Acho que todos sabem que vários itens e produtos, ao serem fabricados no Brasil, são vendidos pelo menos duas vezes mais caros do que em seus países de origem. Muitos atribuem isso a uma entidade misteriosa chamada de Custo Brasil. Essa entidade incluiria, dentre outras coisas, peso da carga tributária incidente sobre o produto, gastos escalares, e muitas vezes imprevisíveis, em logística e distribuição, devidos, em parte, ao sistema de transportes brasileiro mal planejado e em constante colapso, além de outros fatores, cuja discussão não cabe nesse post.

Quanto ao sistema de transportes brasileiro, realmente, não tem muito o que se falar: ainda há muito o que ser pensado e investido, até que se tenha um sistema ferroviário, rodoviário e aquaviário integrado, capaz de escoar e trazer a produção industrial de maneira efetiva e eficaz. Eu sei que isso realmente afeta no valor do preço e acaba, inevitavelmente, sendo repassado pro consumidor. Portanto, não vai ser essa a minha crítica aqui. Minha ira vai contra a própria declaração oficial da Sony, que disse que o preço OBSCENO de R$ 4.000,00 atribuído ao seu novo console, o Playstation 4, se deve à pesada carga tributária imposta pelo país.

Segundo Mark Stanley, vice-presidente e gerente-geral da Playstation para a América Latina, nos Estados Unidos o “cenário de impostos é mais estável” e há um “mercado mais competitivo”. O executivo disse que tal fato não ocorre no Brasil, e que não consegue “colocar um PS4 nas mãos de cada brasileiro no lançamento”, por conta das “taxas cobradas pelo país”.

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Nosso querido executivo-espertalhão: Mark Stanley.

Bom, vamos botar os pingos nos “is” por dois lados: pelo viés tributário e pelo viés administrativo-empresarial. Do ponto de vista tributário, dou a palavra a um professor meu pra concursos: Ali Mohamad Jaha. Ele é professor de Direito Previdenciário e Especialista em Administração Tributária, e é Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, trabalhando já há quase 3 anos com o setor aduaneiro na RFB (responsável pela importação, exportação e controle de viajantes). Partindo do princípio de que o preço do PS4 nos Estados Unidos será de US$ 400,00, ele construiu o seguinte raciocínio, considerando “que a Sony norte-americana tenha um lucro de apenas 10% (…), ou seja, o preço de custo norte-americano seria de US$ 360,00.” Por outro lado, partiu do princípio de que o frete para o envio do produto seria de “US$ 50,00 até o Brasil (valor altamente majorado)”. Dessa forma, segundo o professor Jaha, “o valor aduaneiro do console ao chegar no país seria de US$ 410,00, ou R$ 891,26.”

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Ali Mohamad Jaha ainda ressalta que, “conforme determina a Resolução da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) nº 94/2011, o PS4 é classificado com a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) 9504.50.00 – Consoles e máquinas de jogos de vídeo”. Sendo assim, baseado nesses dados, o professor fez a seguinte apuração:

 IMPOSTOS

VALORES

Imposto de Importação (II) de 20,00%

(Federal)

R$ 178,25

Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de 50,00%

(Federal)

R$ 537,75

Contribuição Social para o Programa de Integração Social (PIS) de 1,65%

(Federal)

R$ 14,71

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) de 7,60%

(Federal)

R$ 67,74

Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de 18,00%

(Estadual)

R$ 370,25

TOTAL DEVIDO

R$ 1.165,70

 

Jaha ainda tenta dar uma “forcinha” pra Sony do Brasil e supõe que esta tenha um lucro de 30% sobre o valor aduaneiro do PS4, o que daria um valor de US$ 123,00 (RS$ 267,38)… Mesmo assim, ao se somar tudo, temos a seguinte conta: Valor Aduaneiro (R$ 891,26) + Tributos devidos (R$ 1.165,70) + Lucro (R$ 267,38) = R$ 2.324,34. Ou seja, segundo palavras do tributarista: o preço “JUSTO” do PS4 no Brasil seria de “no máximo, R$ 2.300,00, aproximadamente”.

Contra fatos não há argumentos, não é mesmo, senhor Mark Stanley?

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Agora, só pra encerrar, vou aplicar um pouquinho o pensamento do Michael Porter (tá, antes que os administradores de plantão me apedrejem, eu sei que a escola dele já é meio defasada), que eu acho que se encaixa aqui.

Quando uma empresa vai entrar em um novo mercado, ou com um novo produto, ela pode usar, segundo Porter, três estratégias genéricas, que podem ser utilizadas ou separadamente, ou de maneira conjunta. Elas vão permitir que os produtos dessa empresa se firmem e ela conquiste uma posição sustentável a médio/longo prazo:

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1)      Estratégia competitiva de custo a empresa centra os esforços na busca da eficiência produtiva, ampliando volume de produção e diminuindo gastos com marketing, assistência técnica, distribuição, pesquisa e desenvolvimento, e diminuindo o preço final do produto pro consumidor.

2)      Estratégia competitiva de diferenciação – a empresa investe pesado em imagem, tecnologia, assistência técnica, pesquisa e desenvolvimento, recursos humanos, pesquisa de mercado e qualidade, com a finalidade de criar diferenciais para o consumidor.

3)      Estratégia competitiva de enfoque/foco – a empresa escolhe um alvo restrito, e, por meio da diferenciação ou do custo, ela vai se especializar, atendendo a segmentos ou nichos específicos.

A Sony do Brasil não está tentando entrar no mercado através do custo, já que seu PS4 é, comprovadamente, o mais caro do mundo. Não está tentando entrar através da estratégia da diferenciação, pois, em matéria de tecnologia, seu console tem características similares ao concorrente direto (XBOX ONE), não houve pesquisa de mercado (se houve, não se atendeu a ela, pois qualquer pesquisa de mercado mencionaria a necessidade de um console com preço mais acessível). No máximo, pode-se subentender que há uma estratégia competitiva de foco, numa elite restrita, que pode comprar não só o console como qualquer traquitana a preços extorsivos e financiar, de olhos fechados e bolsos abertos, a instalação tranquila e superavitária da linha de produção do PS4 da Sony do Brasil. Ou seja, em última instância, a Sony simplesmente tá enterrando o console goela abaixo sem o menor respeito, pesquisa ou consideração com o consumidor final brasileiro.

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Eu não engulo esse sapinho… E aí, tá a fim?

Termino esse post fazendo um apelo a você, leitor. Não se deixe enganar. Não confirme o pensamento que o empresariado estrangeiro tem, de que somos “excelentes absorvedores de custos”, o que significa dizer, grosso modo, que “compramos o que eles colocarem no mercado, ao preço que eles quiserem”. Lembrem-se de que a indústria automobilística já faz isso, em nosso país, há décadas, com margens de lucro altíssimas: um carro popular brasileiro sai a, pelo menos, metade do preço em outros países como México e Chile, por exemplo, e com todos os opcionais. E a culpa é sempre dos impostos.

Lembre-se, leitor: videogame é item supérfluo. Você não vai passar fome ou necessidades se não tiver um PS4. A coisa fica ainda pior se há concorrentes diretos, como o Wii U e o Xbox One, que serão vendidos pela metade do preço. Pessoalmente, já tô cansado de ser passado pra trás contra a minha vontade, através de uma carga tributária que me come 30% do salário e não me dá nenhuma retribuição em investimentos sociais. Já tô cansado de ser passado pra trás por uma classe política que não me representa e segue seus próprios interesses, e, contra a qual, minha única resposta tem sido o decidido e firme voto nulo. Não tô, sinceramente, a fim de ser passado pra trás em coisas que são completamente inessenciais pra minha vida, como consoles de videogame. E, por isso, pretendo dar uma mensagem direta à Sony: não apoio que você me faça de idiota. Eu farei isso, e ano que vem serei o alegre proprietário de um Xbox One, até que a Sony venha com uma política de preços menos bizarra e extorsiva.

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Colossus de Cyttorak

Detentor dos segredos da Mãe-Rússia, fã incondicional de jogos da antiga SNK (antes de virar esse arremedo, chamado SNK Playmore), e da Konami, Piotr Nikolaievitch Rasputin Campello parte em busca daquilo que nenhum membro da antiga URSS poderia ter - conhecimento do mundo ocidental. Nessa nova vida, que já conta com três décadas de aventuras, Colossus de Cyttorak já aprendeu uma coisa - não se deve misturar Sucrilhos com vodka, nunca!!!!

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