Um conto de Natal, Parte II

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Este post é uma continuação deste post, e não faz muito sentido ler um sem o outro (mentira, dá pra ler tranquilamente, mas queria fazer vocês lerem os dois…rs)

Quando você viaja representando sua universidade  seja para um concurso de soletração em Esperanto ou para um centro de pesquisa com células tronco –, o pessoal encarregado de pagar o negócio sempre vai arranjar o método mais barato possível para que você chegue ao seu destino. Pode até ser perigoso desde que o indivíduo chegue vivo (não necessariamente inteiro) e sobre dinheiro para comprar uma nova poltrona pro gabinete do reitor….brinks. No caso de um professor, o prognóstico é um pouco melhor, porque eles precisam dar (ui) o máximo de “aulas” até o dia em que tiverem de parar. Então, não compensa o camarada perder tempo no trajeto fazendo absolutamente porra nenhuma enquanto o contribuinte está pagando o salário do infeliz (o que, na prática, não seria muito diferente do que alguns já fazem). Contudo, quando o aluno sai para representar a universidade a coisa muda um pouco de figura.

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Ele tem que chegar lá, já que a participação de discentes em qualquer evento extra-campus é tão importante quanto a de seus mestres, mas realmente não importa como. Por mais degradante e, principalmente, econômico que seja. Isso porque é consenso geral que gastar dinheiro com aluno é um grande desperdício, sendo melhor comprar TVs de plasma para o hall ou então papel higiênico dupla-face perfumado para os banheiros dos funcionários.

Tendo isso em mente, os responsáveis fretaram um suntuoso ônibus com ar-condicionado, DVD player, frigobar e até cadeiras minimamente confortáveis para pessoas de até 1,80m (pena que tenho 1,95m). Contudo, eu trocaria tudo isso por um teco-teco sujo em que as pessoas tivessem de ir sentadas em cima de gaiolas de pombos angolanos, já que ele me levaria para Natal em menos de 10 horas. Por Deus, eu pegaria até um avião da Tam partindo de Congonhas pilotado pelo John McCain (imagina azar maior que esse?)!

Sei que grandes personalidades como Lula, minha mãe e até a Patrícia Pilar (numa outra novela a long time ago) tiveram de fazer trajetos similares ao meu em boleias de caminhão ou até a pé, mas isso não muda o fato de ter sido horrível para mim.

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Agora, você deve estar imaginando. Eita gordinho viadinho, no ônibus deve ter rolado a maior orgia, mas aposto que ele não deve gostar de mulher também. Não, meu caro, por acaso sou muito fã de uma boa orgia e, a julgar pelos passageiros (ou melhor, passageiras), até que uma surubinha (não o peixe) viria a calhar. Mas não. Até esse pequeno consolo (ironicamente nos dois sentidos da palavra) me foi negado. Porque num assombro de malévola criatividade, meus responsáveis decidiram infiltrar uma espiã no busão e, assim, melar com a festa da galera, ou melhor, acabar com uma futura melação da galera. Imagina só tentar iniciar um rala-e-rola coletivo sem acordar a “Tia da secretaria”. Se bem que ninguém perguntou se ela estaria interessada em se juntar a uma possível fudelança conjunta, mas tenho a LEVE impressão que ela recusaria. E olha que a honorável universidade nem precisaria ter escalado a tia, porque até camisinha vinha no ônibus. Qualquer celebração aos moldes da São Francisco hippie de 1969 estaria mais do que protegida (só não tinha o meu tamanho, 44 GG L).

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Ao invés disso, o frescão (o ônibus, não seus tripulantes) honrou seu nome e durante as 56 horas de viagem só se ouvia Lisa Mineli, Whitney Houston e um ocasional proibidão. Enfim, um pout pourri de tudo que mais (des) prezo na música. Só faltou o Frank Aguiar (lembrem-se, o ano era 2008 e provavelmente ele ainda nem era deputado).  Se não bastasse a escolha infeliz de playlists, o caminho em si não era muito favorável a meu gosto delicado. Na verdade, ao gosto de ninguém. Era verde para tudo quanto é lado. Na direita, na esquerda, atrás, na frente… Isso sem contar a camisa do Palmeiras que meu coleguinha de poltrona estava usando. Com tanto uniforme para escolher tinha que ser justamente a “marca-texto”?! Me sentia como Nicolas-Antoine Taunay no Brasil do século XIX, um paisagista cercado de verde por todos os lados em mais de mil tonalidades diferentes.

Isso porque eu nem falei da Bahia, a bendita terra das oxítonas tônicas. Lá só rola acarajé, axé, candomblé, cafuné etc etc etc

Após os quase três mil km de um Rio a outro (de janeiro para o do norte), os quais pude contar centímetro por centímetro da minha janela, finalmente chegamos a nosso destino –  o infame albergue Lua Cheia, que possui a infeliz alcunha de “o albergue da bruxinha”. A escolha do local fez parte de mais uma iniciativa para contenção de gastos, dessa vez, de nossa parte. Por sorte, só o nome do lugar era tosco e até que a estadia foi agradável. O único problema é que os albergues assim como os hotéis também tentam roubar seu dinheiro (no sentido figurado, calma), só que numa proporção bem menor, já que eles são hoteleiros de família, maloqueiros e sofredores. Ao invés de te cobrar 400 reais por uma latinha de caviar que, na verdade, é atum com gosto de palmito e que parece tamarindo, eles te cobram dois reais por uma fitinha de identificação no braço que custa 0,15 centavos no varejo. E o festival de mini overcharging se seguiu durante toda a estadia. Eram sabonetes de dois reais, cadeados de 8,95 e por aí vai..

Como a tática da rede hoteleira é tapear divertindo, pelo menos as recepcionistas eram gostosas e simpáticas (algumas só simpáticas). O que me causou muito espanto devido a quantidade de hóspedes bêbados, irritantes e mimados (vide eu) do pseudo-hotel. Porém, o que garante mesmo o leitinho das crianças e os presentes no final do ano são os passeios que eles organizavam. Dentre os quais o passeio de bugre pelas dunas, sem dúvida, o hadouken das atrações turísticas de lá. Realmente, ele vale um capítulo só dele, mas como eu já estourei em muito a média de leitura inútil na internet não farei isso.

Se você é como os universitários brasileiros e gosta de fortes emoções este passeio é uma ótima opção. Nada melhor do que pagar caro (muito caro!) para um paraíba tentar te matar de todas as maneiras possíveis e imagináveis dentro de um veículo automotor. Nem pegando o trem para Japeri com três mil reais dentro de uma bolsa original da Louis Vitton você tem tanta adrenalina.

Além disso, quase me afoguei em médio-mar. Foi quando descobri que não é nada legal perceber dentro d’água que você não consegue boiar, nem mesmo usando aqueles coletinhos super cafonas.

À noite, acompanhei meus professores (e a galera mais velha que era do mestrado na época) em conversas de mesa de bar. Ouvi deles coisas que me deixaram chocado e estarrecido (não sei porque dois anos depois decidi entrar nessa onda acadêmica). Mas, acima de tudo isso, descobri que ir a um congresso pode ser uma tarefa muito desgastante se você pretende de fato assistir ao congresso (recado do eu de 2013 para o eu de 2008, “nossa, como eu era noob”).

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Ah, a volta para casa foi igualmente tediosa. Eu até inventei uma greve de fome para ver se o motorista ia mais rápido. A viagem de viagem de volta demorou as mesmas 56 horas e acabei perdendo 12 quilos.

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*Zé Messias é um sujeito chato que acha macacos, elefantes, girafas, palhaços e feriados um saco. Ele apoia todas as formas pagãs de adoração e é autor dos seguintes Best Sellers “Manual de sobrevivência do escoteiro perneta”, “Mil e uma maneiras de se estragar um feriado cristão” e “Piadas antissemitas para Bar Mitzvah”.

Zé Messias

Jornalista não praticante, projeto de professor universitário, fraude e nerd em tempo integral cash advance online.

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